Ah, os carboidratos... Temidos por muitos, por terem a fama
de "engordar", eles têm papel importante na saúde e na performance
esportiva, porém, tudo depende da forma como são utilizados. No post de hoje
vou falar bastante sobre esse macronutriente para tentar desmistificar algumas
coisinhas!
Os carboidratos (CHO) são as biomoléculas mais abundantes
na natureza e estão presentes nas plantas, na membrana de bactérias, no corpo
humano (fígado, músculos), nos alimentos... Em relação aos alimentos, algumas
de suas maiores fontes são: pães, massas, batatas, aipim, arroz, granola,
aveia, milho, biscoitos, água de coco, mel, açúcar, frutas, verduras e legumes,
entre outros. Já na parte de suplementos, podemos encontrar CHO na maltodextrina,
na dextrose, na palatinose e no waxy maize (extraído do milho ceroso, uma
veriedade cultivada nos Estados Unidos).
Quando algumas pessoas resolvem fazer uma "dieta das
proteínas" (a Atkins é um exemplo), é interessante perceber que excluem geralmente
os pães, massas, arroz e batata, e, às vezes, deixam as frutas, verduras e
legumes, pois acham que eles não possuem carboidratos. Uns possuem mais, outros
menos, mas a verdade é que todos eles têm! Nas restritas, o resultado é visível
nos primeiros dias, já que há considerável perda de líquidos e também dos
estoques de glicogênio (reserva de CHO em nosso organismo), embora também possa
ter havido perda de gordura. Os sintomas começam a aparecer, dentre eles o
principal, que é o mau humor! Isso ocorre porque o nutriente está
envolvido na liberação de serotonina, neurotransmissor que nos dá sensação de
bem-estar. Vamos combinar que ninguém merece ficar de "cara
emburrada", não é?
A alta restrição aumenta os níveis do cortisol, um hormônio
com perfil catabólico, mas importante para a sobrevivência, e que diminui a
capacidade imunológica, se muito elevado. Mau humor e doente? Eita, hehe!
Deixando claro que estou falando de mudanças drásticas, feitas por conta
própria, e seus perigos, e não de estratégias similares de Nutrição,
especialmente a esportiva, que são realizadas e acompanhadas pelo
nutricionista, como redução de carboidratos (e não “zero carbo”) e aumento
proteico (não no ritmo do “quanto mais, melhor!”).
A Dieta Paleolítica é outro caso no qual pode haver
restrição de carboidratos, dependendo da “linha” seguida. A proposta é imitar o
homem primitivo, que comia aquilo que pescava, caçava e colhia (peixes e outras
carnes, frutos, raízes...), excluindo, assim, industrializados, e, quase
sempre, retirando grãos como arroz e feijão, com o argumento de que a
agricultura surgiu no período neolítico, ou seja, depois da época das cavernas.
Até as frutas alguns excluem! Coitadas das frutas, gente! Até elas, uma das
nossas maiores fontes de antioxidantes e micronutrientes, têm sido julgadas!
“Ah, nutri, mas eu uso suplementos”. Desculpe, suplemento é bacana, ajuda em
diversos momentos, no entanto, não deveria substituir comida quando a temos
disponível!
Algo que tem se falado muito hoje em dia na Nutrição é o
índice glicêmico (IG)*, apesar de ter sido criado nos anos 80, que já devo ter comentado
por aqui. Ainda preciso fazer um post só sobre isso, logo, não vou me
aprofundar demais. Simplificando, o IG expressa a velocidade que o alimento tem
de elevar a glicose sanguínea, comparado a uma referência (pão branco ou
glicose). Alimentos de baixo/médio IG permitem maior utilização de
gorduras durante o exercício, diminuem a liberação de insulina (hormônio com
características anabólicas) e diminuem o risco de hipoglicemia, enquanto os de
alto IG aumentam a
liberação de insulina e o risco de hipoglicemia (você come o alimento, sua
glicemia se eleva e rapidamente volta a valores mais baixos, causando a
hipoglicemia).
Podemos encontrar tabelas com o IG de vários alimentos em
livros, sites e artigos científicos. É claro que no dia a dia ninguém vai andar
com uma tabela embaixo do braço e, na hora de comer, pensar "peraí, vou
ver o IG para saber se posso comer". Por isso que, de forma geral, recomenda-se
optar por arroz, massas e pães na versão integral, aveia, aipim, batata-doce e
frutas, legumes e verduras (alguns possuem alto IG), que possuem fibras, fornecendo
saciedade. Não significa que "nunca" podemos comer outras opções, uma
vez que depende do estilo de vida, das condições socioeconômicas, do objetivo,
das necessidades (um dos fatores que mais devemos levar em conta), se há
prática de exercício físico e, obviamente, se há alguma doença diagnosticada.
Se você tem diabetes, por exemplo, deve ter um cuidado ainda maior e sempre ser
acompanhado por profissionais! Cada caso é um caso, sempre!
Além do IG, existe também a carga glicêmica (CG), que
verifica a quantidade de CHO presente na porção. Um alimento pode ter alto IG e
baixa CG (eleva mais rápido a glicemia, tendo menos CHO). Há um pequeno cálculo
para isso, que pode ser ferramenta do nutricionista, e se você não tem
acompanhamento, tenha bom senso e leve em consideração, para uma refeição, que
a resposta glicêmica é influenciada por uma série de fatores, como presença de
fibras (oi, salada!), proteínas (ovos, carnes, laticínios ou outras fontes se
você for vegetariano/vegano) e lipídios (azeite de oliva, oleaginosas, óleos
vegetais...), cocção e processamento do alimento (a batata-doce tem seu IG
elevado quando assada, sabia disso?), entre outros. Segundo a literatura,
"dietas" com IG e CG baixos têm diversos benefícios, sendo um deles
menores riscos de doenças.
Stellingwerff
& Cox (2014) realizaram uma revisão sistemática, publicada no Applied
Physiology, Nutrition and Metabolism (periódico canadense com boa classificação
na área da Nutrição) que, resumidamente, teve o objetivo de verificar se a
suplementação de CHO melhora o desempenho em exercícios de endurance
(prolongados), comparando a um placebo (água). Dos 61 artigos utilizados (679
participantes), 82% (50 artigos) apresentaram benefícios estatisticamente
significativos, em relação ao tempo e à performance, enquanto 18% não mostraram
diferenças entre a suplementação e o placebo. É muita coisa! Se fosse um ou
outro artigo, poderíamos até duvidar. Porém, revisões com uso de análises
estatísticas são bem interessantes para buscar evidências.
Inúmeros
trabalhos são realizados sobre endurance, pois essas atividades com duração
maior (acima de 2h) deixam os estoques de glicogênio vulneráveis. Aí que está o
papel do CHO: evitar que o glicogênio seja utilizado como fonte de energia! Não
precisa ser um maratonista para entender isso. Basta associar com a sua
realidade: se você vai para academia, fica hooooras na esteira ou praticando
outros exercícios aeróbicos, sem comer durante esse tempo, e acha que está
fazendo “grande coisa” para emagrecer, sinto muito! Procure ajuda e reveja seus
conceitos, porque seus resultados provavelmente serão prejudicados e sua saúde também!
E aí, ainda acha que carboidrato, por si só, engorda? Como
disse um professor da minha pós-graduação, CHO (assim como qualquer coisa em
excesso - e isso varia de pessoa para pessoa!) engorda no sofá (sedentarismo),
mas se você for uma pessoa ativa, saudável e consome dentro das suas necessidades,
ele não será convertido em gordura (isso acontece por uma rota metabólica
chamada lipogênese).
Respondendo ao questionamento que deu nome ao post, CHO não
é mocinho e nem vilão, desde que usado de forma inteligente! Portanto, não há
necessidade desse terrorismo todo sobre o nutriente. Vamos aprender a filtrar
as informações que chegam!
* Existem pontos de cortes diferentes para os valores do
IG. Por isso, trouxe valores de um dos modelos para exemplificar: IG baixo <
60, IG médio entre 60-85, e IG alto > 85.
Referências:
- STELLINGWERF, T.; COX, G. Systematic review: Carbohydrate supplementation on exercise performance or capacity of varying durations. Appl Physiol Nutr Metab. 2014; 39(9): 998-1011.
- STELLINGWERF, T.; COX, G. Systematic review: Carbohydrate supplementation on exercise performance or capacity of varying durations. Appl Physiol Nutr Metab. 2014; 39(9): 998-1011.
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